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“O burro-em-pé”

Dezembro 5, 2013

«Ia um trabalhador a caminho de casa quando à porta duma taberna lhe apareceu o sapateiro da rua a chamá-lo.
“Vizinho, eh, vizinho. Pode mandar buscar as suas botas que as acabei agora mesmo.”
“É já”, disse o trabalhador, que ficou logo bem-disposto com a novidade. “Mas primeiro havemos de beber um copo para festejar.”
“Assente. Mande servir que eu vou num instante à loja buscar a encomenda.”
As botas não eram para ele, trabalhador. Tinha-as mandado fazer de bom cabedal, de macia capa de vaca, solas de pneu de automóvel e valentes costuras, com destino a um enteado que vivia na sua companhia.
“Cortei-as”, explicou o sapateiro, “com a mesmíssima facilidade com que cortei o papel do molde. Nem um nervo, nem uma dobra maltratada. Não encontrei debaixo da faca a mínima coisa que dissesse: é desperdício, desfeia a pele. E, vizinho, não há nada como as dobras e os olhais do couro para desfear uma peça. Não só a desfeiam como a tornam mais fraca, que é muitíssimo pior. À nossa saúde, vizinho.”»

O burro-em-pé, José Cardoso Pires (Ed. Dom Quixote)

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