(Alguns) livros da minha vida
A Maria Fonseca lançou-me este desafio e eu decidi responder. Como é da praxe dizer-se, estes são apenas alguns dos livros que me acompanham na vida. Amanhã escolheria, muito possivelmente, uma lista diferente. Hoje é esta e ficou desordenada alfabeticamente.
Ilíada, Homero – Se ainda não leu este livro, pare já o que está a ler. Ainda não parou? O máximo que permito é a leitura deste post até ao fim. Apenas depois de ler este livro é que pode ler todos os outros.
Bartleby, o escrivão, Melville – O livro é tão pequeno e curto que seria um ABSURDO escrever algo sobre ele. Além de que “preferia de não o fazer”.
Viagem ao fim da noite, Céline – O título diz quase tudo. Mas posso acrescentar que também é antinacionalista, anticolonialista, anticapitalista, anarquista. Agora, resta ler, reler e reler. Um livro que me acompanha na vida. “Eu vi a luz” à noite.
Coração, solitário caçador, Carson McCullers – Dois mudos, uma rapariga, um agitador político-nómada, o dono de um café aberto 24 horas, um médico negro, um circo recém-chegado. Tudo isto em poucos metros quadrados no interior dos Estados Unidos, resulta em solidão, dor e desilusão. Carson McCullers escreveu este livro entre os 18 e 22 anos. ‘Unfucking believable’.
O vermelho e o negro, Stendhal – Este livro tem uma das personagens – Julien Sorel – mais ambíguas que já li. Às vezes com o comportamento mais egoísta, interesseiro, calculista que se possa imaginar. Outras vezes, poucas, lá nos concede um acto mais cavalheiresco. Contudo, no final terá a atitude mais nobre perante a situação mais difícil da sua vida. Ou terá sido arrependimento por todo o seu egoísmo calculista? Uma personagem que vive entre a paixão e a racionalidade político-religiosa. Nascendo pobre, admirador de Napoleão e sendo tarde para seguir a carreira das armas, terá de optar pelo percurso de seminarista. A ambição foi a sua derrota. Mas foi no momento da derrota que se sentiu mais feliz. Ambíguo, não? Ou talvez nem tanto.
Crime e castigo, Fiódor Dostoievski – Como se pode depreender pelo título há um crime e há um castigo. Dito assim até parece um bom início para um policial. Desengane-se. É que esta obra maior foi escrita por um senhor chamado Fiódor D. E não é que acabamos por nos colocarmos ao lado de Raskolnikov? Uma viagem até às entranhas do ser humano.
A laranja mecânica, Anthony Burgess – A excelente tradução do Luandino Vieira transporta-nos para o seio de uma sociedade violenta. Após dominarmos os neologismos sentimo-nos como que parte integrante da obra e passamos a fazer daquele grupo (não é que seja boa companhia, mas enfim…).
Por quem os sinos dobram, Ernest Hemingway – Guerra Civil Espanhola. O absurdo da guerra (civil). Utilizando a sua experiência nesta guerra, Hemingway mostra-nos o ser humano no seu estado mais puro: solidário, egoísta, violento, apaixonado, cruel (o relato vivido por Pilar e Pablo na Plazza é particularmente marcante). E depois, palavras para quê? É uma guerra e uma guerra civil. Entre familiares, amigos, vizinhos. Esta leitura proporciona-nos a vivência do ridículo e da beleza do “être humain“.
Jacques o Fatalista, Diderot – Na tradição de Laurence Sterne e de “Dom Quixote”, e isto é assumido pelo autor no próprio livro, Diderot liberta-se de todas as regras da escrita (quais regras?) e deambula pelos caminhos humorístico-filosóficos. Uma verdadeira ‘tripe’. Eis 3 exemplos: aqui, aqui e aqui.
O deserto dos Tártaros, Dino Buzatti – Quando penso neste livro só consigo lembrar-me de duas palavras: esperança e tempo. No livro, a soma destas transforma-se em desilusão. Estão à espera de quê para ler já este livro? Que o tempo passe?
O idiota, Fiódor Dostoievski – Quando a bondade é interpretada como estupidez, numa sociedade em crise de valores. E não, não foi escrito este ano. (Ah, e foi escrito em Florença, não é que seja importante, mas apeteceu-me escrever isto).
Os nus e os mortos, Norman Mailer – O décor é uma ilha no Pacífico, durante a II GGM. Mas quem são os homens que ali estão a defender o seus país? Um exemplo: um dos soldados embarcou pouco depois da esposa ficar grávida. Após o desembarque na ilha, recebe a notícia da morte da esposa durante o parto. Reacção: quase nula. Nos dias seguintes, devido aos ‘normais’ atrasos da correspondência em período de guerra, começa a receber regularmente as cartas anteriormente enviadas por ela, onde lhe é relatado o seu dia-a-dia e alegrias da gravidez. Assim, para ele, de alguma forma, ela não morreu, pois continua a receber as suas cartas. Até ao dia em que recebe a carta com data do dia anterior à sua morte. E esta, ele já não consegue abri-la, pois sabe que se a ler ela morrerá “definitivamente”. Como nota, importa referir que Norman Mailer escreveu este livro pouco depois de ter sido desmobilizado da II GGM.
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[Ué, cadê os portugueses? (“Os Maias”, man?) E o Faulkner? E o Graham Greene? Os outros russos? E as Marguerites? E o “Farehneit 451”? E o Primo Levi? Camus? Philip Roth? O Bukowski? Foda-se, é por estas e por outras que eu…]
Três títulos seus entre os meus!
Adorei a ideia de listar os livros de cada vida.
Vou colocar no meu bloguinho também 🙂
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Boa. Agora fiquei com curiosidade para saber quais são os 3 em comum.
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Crime e Castigo (da editora 34, tradução direta do russo).
Viagem ao fim da noite (da editora Companhia das Letras, apresentação do Céline feita pelo Lev Trótski)
Bartleby, o escrivão (editora CosacNaify, o livro vem costurado, é preciso cortar as linhas para folhear, aí, eles apresenta as páginas cinzas feito uma parede de concreto. O texto está dentro de cada dupla. No ínicio, é estranho, mas depois a gente vai entendo o projeto gráfico e a lógica enlouquecida do Bartleby faz cada vez mais sentido).
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Não conheço, mas parecem-me umas excelentes edições. No caso do “Bartleby” com uma edição dessas não há kindle que o supere.
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estas listas pecam sempre por limitadas… nem que fossem os cem livros da minha vida, ficariam alguns de fora.
mas tens na lista pelo menos três livros que acarinho como obras maiores da literatura: “viagem ao fim da noite”, “o idiota” e “os nús e os mortos”. claro que todos os outros o são, li uns, não li outros, mas estes são os que me falaram mais alto.
abraço!
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É verdade Carlos, mas fazer umas listas de vez em quando até tem certa piada.
Se é verdade que o do Céline e “O idiota” são intocáveis, já no caso de “Os nus e os mortos”, muito me agrada que também seja um dos teus livros.
Se por acaso algum dos livros que não leste é o “Bartleby” ou o “Jacques o fatalista”, aconselho a compra de ambos porque se lêem, parafraseando o Jacques, “de um trago sem pontuação”.
abç
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E quando publicar a sua lista avise-me para eu colocar o link no meu blog.
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Já está publicado o link. A mudança da hora e a vitória do Benfica, também perturbaram o meu equilíbrio. 😉
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As vitórias do Glorioso perturbam as coisas, mas são coisas boas.
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Pois. Aí está o primeiro ponto de discórdia.
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por alguma razão que desconheço, desapareceram todos os comentários deste post. Alguém sabe como recuperá-los? help!
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Putz! Não sei. O que será que você fez? Você recebe aviso por email de que há comentários? Se recebe, é só entrar em cada um e mandar republicar.
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Eu não fiz nada, juro. Sim, recebo por email, já tentei isso, mas não dá, porque não conhece o caminho. Vou entrar em contacto com o pessoal do wordpress, se não conseguirem, vou “republicá-los” manualmente. O que é muito xunga, porque ficam com as datas todas alteradas 😦
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Efectivamente, o Camus é indispensável em qualquer lista. Que o Graham Greene falte, ainda vá que não vá, mas o Camus, man…!
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Pois, eu sei. Já estou a pensar fazer uma segunda lista ou quem sabe uma terceira.
O Graham Greene não tem nenhum livro que eu considere fundamental, mas dele leio tudo.
E o Camus… acho que me vou arrepender para o resto da vida 🙂
Se o raio dos comentários anteriores não tivessem desaparecido, poderias ler que o Carlos J. Teixeira disse que todas as listas pecam por defeito, o que eu concordo, “nem que tivessem cem títulos ficaria completa”.
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Sim, é verdade: nem que tivessem cem títulos ficariam completas.
Graham Greene tem dois que, quanto a mim, são fundamentais: ‘The Heart of the Matter’ e ‘The Power and the Glory’. De Camus, todos referem, e bem, ‘O Estrangeiro’, mas o meu Camus é o de ‘A Queda’, um dos livros mais marcantes da minha vida (não faltaria no meu Top 5).
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Aqui está, para mim seria “O estrangeiro”!
Quanto ao Graham Greene seria “Brighton Rock” ou “The end of the affair”.
Agora o desafio, Carlos: por que não fazes uma lista? top 5 é curto, mas um top 10?
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Humm… Não é fácil – são tantos. Vou pensar bem nessa lista. Para já, adianto-te mais alguns que me marcaram, por diferentes razões: ‘Para Sempre’, do Virgílio Ferreira, ‘Vale Abraão’, da Agustina, ‘A Dor’, da Marguerite Duras, ‘Nada’, da Carmen Laforete, e ‘Everyman’, do Philip Roth.
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Boa, a lista promete. Aguardarei com expectativa.
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Espero que você consiga!!
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O Estrangeiro merece estar em todas as listas!
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“O estrangeiro”, “Os Maias”, “Anna Karenina”, “Cartuxa de Parma”…
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Bem os comentários que haviam desaparecido já foram repostos. Meio à candonga, mas cá estão.
Adenda: acabei de receber o email do suporte wordpress “Sorry for the inconvenience, I have restored your missing comments”. Parece-me que alguém se quer vangloriar com o trabalho dos outros. EU é que os repus e teve de ser à unha.
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Imagino a chateação, mas parabéns! Fico contente que você os recuperou 🙂
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Obrigado Helena. É que nesta “casa” os comentários são importantes. E tenho a sorte de ter comentários muito simpáticos, como é o caso.
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Dedicado ao pessoal do WordPress
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Ilíada, Homero – Já o Eduardo Prado Coelho, antes de morrer, mo recomendava e o JPSartre também…
Bartleby, o escrivão, Melville – JÁ LI E GOSTEI MUITO, MUITO, e aconselho
Viagem ao fim da noite, Céline – tá na fila
Coração, solitário caçador, Carson McCullers – JÁ LI E SE CALHAR HOJE SERIA CAPAZ DE GOSTAR…
O vermelho e o negro, Stendhal – Já li (há mais de 20 anos)e gostei!
Crime e castigo, Fiódor Dostoievski – É QUE É MESMO UMA VIAGEM ÀS ENTRANHAS DO SER HUMANO, ABSOLUTAMENTE DE ARRANCARMOS OS CABELOS
A laranja mecânica, Anthony Burgess – Tenho DUMA COLECÇÃO DO Diário de Notícias – “LIVROS QUE FORAM FILMES” – se for tão bomo o filme será absolutamente arrebatador
Por quem os sinos dobram, Ernest Hemingway – Tá na calha para ler (ainda na prateleira)
Jacques o Fatalista, Diderot – ???
O deserto dos Tártaros, Dino Buzatti – Já li e não achei que alguma vez poderia ser um dos livros da minha vida
O idiota, Fiódor Dostoievski – Também está na calha para ler (ainda na prateleira)
Os nus e os mortos, Norman Mailer – Cheira-me a Leon Uris…
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António, eu achei o “Jacques, o fatalista” maravilhoso (foi reeditado pela Tinta-da-China).
O “A laranja mecânica” li primeiro o livro e só muito depois é que vi o filme, talvez por isso tenha gostado mais do livro, não sei.
Quanto ao “Deserto dos Tártaros” experimente ver o filme do Zurlini (com o mesmo título) talvez mude de opinião. 🙂
Nunca li Leon Uris, mas o este do Mailer, na minha opinião, vale mesmo a pena ler. Já tentei ler outro livro do Mailer e parei. Acho que ele nunca mais conseguiu superar este. Como foi escrito logo após a desmobilização do autor talvez tenha aquela “marca” que os livros escritos com a alma possuem. Mas, lá está, talvez a temática não lhe interesse.
Cumprimentos e volte mais vezes.
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Só uma pavavra “Obrigada”.
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Obrigado eu pela visita.
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