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Gozo os campos

Dezembro 3, 2015

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(Arianna Ruzza)

Gozo os campos sem reparar para eles.
Perguntas-me por que os gozo.
Porque os gozo, respondo.
Gozar uma flor é estar ao pé dela inconscientemente
E ter uma noção do seu perfume nas nossas ideias mais apagadas.
Quando reparo, não gozo: vejo.
Fecho os olhos, e o meu corpo, que está entre a erva,
Pertence inteiramente ao exterior de quem fecha os olhos
À dureza fresca da terra cheirosa e irregular;
E alguma cousa dos ruídos indistintos das cousas a existir,
E só uma sombra encarnada de luz me carrega levemente nas órbitas,
E só um resto de vida ouve.

Alberto Caeiro, in “Poemas Inconjuntos”

12 comentários leave one →
  1. anónimo permalink
    Dezembro 3, 2015 21:00

    dos livros de português do tempo em que andei em humanísticas, tenho caricaturas e rabiscos em todos os poetas, em Fernando Pessoa , estão intocáveis

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    • Dezembro 4, 2015 00:42

      Compreendo, é como riscar numa igreja 🙂

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  2. anónimo permalink
    Dezembro 3, 2015 21:04

    A criança que fui chora na estrada.
    Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
    Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
    Quero ir buscar quem fui onde ficou.
    Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
    A vinda tem a regressão errada.
    Já não sei de onde vim nem onde estou.
    De o não saber, minha alma está parada.
    Se ao menos atingir neste lugar
    Um alto monte, de onde possa enfim
    O que esqueci, olhando-o, relembrar,
    Na ausência, ao menos, saberei de mim,
    E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
    Em mim um pouco de quando era assim.

    poema da vida de qualquer ser humano, este gajo não era normal – http://arquivopessoa.net/textos/2455

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  3. anónimo permalink
    Dezembro 3, 2015 21:11

    Natal… Na província neva.
    Nos lares aconchegados,
    Um sentimento conserva
    Os sentimentos passados.
    Coração oposto ao mundo,
    Como a família é verdade!
    Meu pensamento é profundo,
    Estou só e sonho saudade.
    E como é branca de graça
    A paisagem que não sei,
    Vista de trás da vidraça
    Do lar que nunca terei!

    em quem nesta quadra não passou por este estado de espírito, bom, eu passei, mas nunca esqueci-o – http://arquivopessoa.net/textos/2449

    quando o lobo antunes escrever assim levo à sério as vacuradas que diz, mas parece-me que tem que comer muiiiiita broa

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  4. anónimo permalink
    Dezembro 3, 2015 21:18

    Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
    Mas finge sem fingimento.
    Nada esperes que em ti já não exista,
    Cada um consigo é triste.
    Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
    Sorte se a sorte é dada.

    um estado de espírito que se calhar nos acompanha ao longo da vida, com ciclos – http://arquivopessoa.net/textos/524

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  5. Dezembro 4, 2015 00:45

    O arquivo Pessoa está ali na barra lateral há muito!

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  6. Dezembro 4, 2015 20:05

    “Preencha o vazio”?
    Bom, ’tá bem, mas é só para dizer que o Pessoas é altamente rabiscável e terá sido dos autores que mais anotei, sublinhei, exclamei aos alqueires, etc. Lembrem-se que o man faleceu praticamente no anonimato, que comentá-lo no livro é retirá-lo do pódio e colocá-lo na rua, acenando-lhe, dirigindo-lhe um sorriso, nada de invasões da sua esfera privada (que essa, deixou-a em legado a todos nós 🙂

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    • Dezembro 5, 2015 01:37

      O Pessoa deve ter sido o poeta que mais copiei. De copiar mesmo, copiava poemas completos só pelo prazer de repetir as mesmas palavras, os mesmos pensamentos. Copiava e deitava fora. No dia seguinte fazia o mesmo.
      Bem, é verdade que só publicou um livro em vida, acho, mas não era nada, mas mesmo nada anónimo. Quer dizer, para a grande maioria da população (analfabeta) claro que sim. Se calhar hoje com uma taxa de alfabetização muito maior não seria nuito diferente. Contas de outro rosário 🙂

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  7. Dezembro 5, 2015 15:50

    Não sendo Pessoa anónimo em vida, Mário Cláudio recorda o que Alberto Serpa disse de Pessoa: «Ninguém dava nada por ele!»
    http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/mario-claudio/interior/lisboa-e-longe-4914873.html

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    • Dezembro 9, 2015 22:53

      Não me parece muito correcto essa afirmação de que ninguém dava nada por ele. E mesmo assim vão a Lisboa convidá-lo para participar na revista? Incongruências.

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