Capital
Portugal é o país do mundo com mais capitais. Descobri mais três. Capital da maçã de montanha, capital da carne de caça e capital de mais uma merda qualquer que não me lembro. Capital temos muito, dinheiro é que é o caralho…
Uni-vos
Podem fazer as análises que quiserem, mas eu sei onde vou votar nas próximas eleições e quero que se foda o resto. Jamais esquecerei o governo passos-portas, jamais. Por isso, à direita sugiro o conselho do Fredo Brilhantina, “arrombador de beículos ligeiros” na baixa do Porto, “ide partir brita com as bordas do cu”.
Ah pois é, bebé
Li uma frase intrigante: “Uma grande parte dos militantes socialistas não querem o socialismo.”
George, vês o que fizeste?!

“Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força”
Enquanto esperava o metro senti-me mesmo parte da distopia de Orwell.
“Perigo de morte”
“Controlar a pandemia também depende de si”
“You dare we care”
“Onde há Sagres há fogo de artifício”
Actualizem-se, pá!
Bem sei que todas as palavras têm uma origem, mas o uso de algumas delas não lembra ao diabo. Por exemplo: chamar à prestação do seguro “Prémio” ou “Fogo” às casas. Não se arranja umas coisinhas melhores?
O contador de cartas
O melhor filme que vi este ano (ainda estou em 2021 e apenas dos que estrearam recentemente) foi… acho que não foi visto o suficiente a avaliar pelos posts do fakebook. Fala-se muito do “Don’t fuck up“, até percebo porquê, mas o filme de que eu quero falar merece ser visto. Grande interpretação de Oscar Isaac, muito contido, apesar de sentirmos que pode rebentar a qualquer momento. Mas não. A realização mesmo nos planos abertos é claustrofóbica, como pretendida, tudo em contenção. Os casinos sem qualquer ponta de glamour, parecem barracões nas zonas industriais da periferia, frios, tristes como a personagem, sente-se um vazio interior em tudo, nos espaços e na alma das personagens. Quando o filme acaba não nos sentimos arrebatados, não, ficámos como a figura central do filme, vazios. Queremos a rotina, a vulgaridade e pagar pelos nossos pecados à procura da redenção. The Card Counter.
A minha realidade imita a ficção
Há uns tempos escrevi um post a gozar com os carros da polícia nos filmes. Quando recebiam a chamada de um crime estavam sempre, era certinho, na direcção contrária. Meia-volta a grande velocidade, os pneus a chiar e lá iam eles.
Hoje conclui que acontece sempre a mesma coisa quando acendo um cigarro na rua. Estou sempre contra o vento, sempre. Tenho de me virar e fazer de pára-ventos para acender o mesmo. Esta vida é mesmo irónica.
Há lugares assim
Caderno de citações
Encontrei um caderno com citações. Não sei qual a fonte de nenhuma, fui apontando no caderno ao longo dos anos. Eis algumas:
«Sabes que só há repouso para o sofrimento quando se entra no primeiro dia dos dias sem ninguém.» Rimbaud
«Limito-me a pôr em boa sintaxe o falar dos meus labregos.» Aquilino Ribeiro
«Dêm-me um herói e escreverei uma tragédia.» Scott Fitzgerald
«O prestígio não pode existir sem mistério, pois temos pouca reverência pelo que conhecemos bem.» Charles de Gaulle
«Se me perguntasses o que sinto teria dificuldades em responder. Fisicamente é uma espécie de lassidão, de desinteresse, de cansaço como antes da gripe ou de outra doença qualquer, como antes da morte. As pernas doem-me, pesadas, a pele tornou-se mais atenta ao frio e ao calor, à dureza ou à rigidez das coisas. Não me apetece nada, acho-me desconfortável por estar quieto mas achar-me-ia mais desconfortável se me movesse. Fico assim sentado, a olhar em frente, sem desejos, sem vontades, oco. Nem sequer estou triste. Apenas passividade e indiferença.» António Lobo Antunes
«A memória é indispensável para que o tempo não só possa ser medido como sentido.» José Cardoso Pires (De Produndis, valsa Lenta)
«O Adeus às Armas é o livro de alguém que fala com frieza porque arde de indignação e que tenta escrever com secura porque não quer chorar.» Claude Roy
«Há um ponto além do qual já não retorno. É esse ponto que temos de alcançar.” Kafka
«Do verdadeiro adversário passa para ti uma coragem infinita.» Kafka
«Quem diz que conhece a verdade está a mentir.» Kafka
“O Deus das Moscas”
«O rapaz de cabelo alourado desceu os últimos palmos de rocha e encaminhou-se para a lagoa. Apesar de ter tirado a camisola da escola, que agora lhe pendia de uma mão, a camisa cinzenta colava-se-lhe à pele e sentia o cabelo pegajoso na testa. Em torno dele, a vasta cicatriz rasgada na selva ressumava calor. Avançava com esforço entre as trepadeiras e troncos quebrados quando uma ave, uma visão de tons vermelhos e amarelos, disparou para o céu com um clamor bruxuleante, logo depois ecoado por outro grito.
– Ei! – ouviu-se. – Espera aí!
O matagal numa das margens da cicatriz foi sacudido e uma saraivada de gotas de chuva percutiu as imediações.
– Espera um bocadinho – disse a voz. – Estou preso.»
O Deus das Moscas, William Golding (Trad. Manuel Marques, Ed. D. Quixote)
Anarco-burguês
Heróis
Palavras de um ex-soldado republicano da Guerra Civil Espanhola:
“Pois sabe uma coisa? Na paz não há heróis, excepto talvez aquele indiano baixinho que andava por aí meio nu… E nem sequer ele era um herói, ou só passou a sê-lo quando o mataram. Os heróis só são heróis quando morrem ou os matam. E os heróis a sério nascem na guerra e morrem na guerra. Não há heróis vivos, jovem. Estão todos mortos. Mortos, mortos, mortos.”
Soldados de Salamina, Javier Cercas (p.166-167)
Verdades
Um gajo habitua-se a pouquíssima gente na rua e pensa que vai custar muito quando se der o desconfinamento.
Oi?
Tradutores de todo o mundo, uni-vos!
“… é um saxofonista de jazz americano gratuito.”
Russinskia
Não sei falar qualquer língua eslava. Estive a ver o jogo do Benfica num canal russo, coisas da pirataria, e, por vezes, os nomes ficavam assim na voz do comentador: Gilberta, Otamendia, Franca Cervia, Grimalda e, o meu favorito, Pizzia. Parecia ballet russo.
Apre!
«- Grande merda de cidade.
Perguntei-lhe porquê.
– Olha – disse e, com careta de profundo asco, apontou para uma placa que dizia: “Avinguda Lluís Pericot. Pré-historiador”. – Podiam ter posto à rua o nome de alguém que pelo menos tivesse acabado o curso, ou não?»
Soldados de Salamina, Javier Cercas (p.39)
Javier, hás-de ter muitos amigos…
«Fui destacado para a secção de cultura, que é onde colocam as pessoas que não se sabe onde colocar.»
Soldados de Salamina, Javier Cercas (p.16)
“Soldados de Salamina”
«Foi no verão de 1994, faz agora seis anos, que ouvi falar pela primeira vez do fuzilamento de Rafael Sánchez Mazas. Três coisas acabavam de me acontecer por essa altura: a primeira foi o meu pai ter morrido; a segunda foi a minha mulher ter-me abandonado; a terceira foi eu ter abandonado a minha carreira de escritor. Minto. A verdade é que, dessas três coisas, as duas primeiras são exactas, exactíssimas, mas não a terceira. Na realidade, a minha carreira de escritor não havia maneira de arrancar, de modo que dificilmente poderia abandoná-la. Mais justo seria dizer que a tinha abandonado recém-iniciada. Em 1989 tinha publicado o meu primeiro romance; tal como o conjunto de contos surgido dois anos antes, o livro foi recebido com notória indiferença, mas a vaidade e uma resenha elogiosa de um amigo daquela época aliaram-se para me convencer de que poderia chegar a ser romancista e de que, para o ser, o melhor era deixar o meu trabalho na redacção do jornal e dedicar-me totalmente a escrever. O resultado desta mudança de vida foi cinco anos de angústia económica, física e metafísica, três romances inacabados e uma depressão pavorosa que me prostrou durante dois meses numa poltrona, diante do televisor. Farta de pagar as facturas, incluindo a do enterro do meu pai, e de ver-me olhar para o televisor apagado a chorar, a minha mulher saiu de casa assim que comecei a recuperar, e eu não tive outro remédio senão esquecer para sempre as minhas ambições literárias e pedir a minha reintegração no jornal.»
Soldados de Salamina, Javier Cercas (Trad. Helena Pitta, Ed. Asa)