“Suão”
«Por cima da estrada real, nem a sombra de uma nuvem põe um remendo no buraco do céu. O dia, muito azul, apresenta o sol com grandes olhos de Rei, e este estende os braços fumegantes para os quatro pontos cardeais e arde, enfeitiça o mundo.
Próximo da ponte de tábuas, um milhafre dá três voltas vagarosas ao rés da terra, sobe depois às alturas, imobiliza-se por instantes no espaço e baixa-se repentinamente, como tocado por um tiro. Daí a nada levanta-se num esticão e leva um pinto no bico. Por um segundo, o voo da ave de rapina é um traço negro na paisagem morena da planície. E só o Homem, pela janela, vê o assalto. Tem uma pequena agitação, dá dois passos para a rua, eleva instintivamente os braços, como a querer seguir o rumo do pássaro no infinito, e depois recolhe-se de novo ao fundo da casa.
Em que pensamentos, ou em que magoadas dùvidas, se devora a alma de Simplìcio Varandas?»
(…)
“Suão”, Antunes da Silva, Ed. Livros Horizonte[Uma escolha de António Góis]
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