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‘Aparição’

Outubro 15, 2009

«Pelas nove da manhã desse dia de Setembro cheguei enfim à estação de Évora. Nos membros espessos, no crânio embrutecido, trago ainda o peso de uma noite de viagem. Um moço de fretes abeira-se de mim, ergue a pala do boné:
– É preciso alguma coisa, senhor engenheiro?
Dou-lhe as malas, digo-lhe que há ainda um caixote de livros a desembarcar.
– Então é dar-me a senhazinha, senhor engenheiro.
– Mas não me trate por engenheiro. Sou professor do Liceu.
Com passinhos curtos, anda dobrado como se tivesse dores de bexiga. A cara e os olhos são vermelhos, ensopados de sangue. Carrega tudo aos ombros com uma complicação de cordéis, promete-me uma pensão muito boa, mesmo na Praça, ‘que é já ali’, e convida-me a segui-lo com os seus olhos lastimosos de aguardente. Está uma manhã bonita, com um sol íntimo dourando o ar, um vento leve da planície, fresco de orvalhos. À minha frente, o moço de fretes, agachado sobre si, vai dançando um estranho ritmo de arame com os seus passos saltitados. Mal o olho.»
(…)
Aparição, Vergílio Ferreira (Ed. Bertrand)

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